De acordo com a página oficial das Ordens Honoríficas portuguesas, por razões que a razão dispensa, “Portugal orgulha-se de ter uma longa tradição na atribuição pelo Chefe de Estado de recompensas por serviços prestados ao País, revestindo a forma de condecorações.”
Em virtude dos irrefreáveis impulsos do progresso, “o sistema sofreu ao longo dos séculos uma natural evolução”, e por isso mesmo mantêm “algumas das actuais Ordens Honoríficas Portuguesas origem na Idade Média”.
A explicação existe: as ordens monástico-militares criadas a partir do século XII perderam, com o fim da Reconquista, a sua autonomia, passando no século XVI a depender exclusivamente da coroa. Com a extinção das ordens religiosas no século XIX, converteram-se, por inspiração napoleónica, em ordens assentes no mérito individual, puramente laicas e honoríficas. E com a implantação da República, em 1910, foram abolidas.
Mas com a Guerra ter-se-á verificado um fenómeno não incomum, do foro psico-sócio-estadual, que alguns observadores designam de “recuo sentimental da História”: as Ordens foram ressuscitadas em 1918, com a função de Grão-Mestre a ser atribuída, por inerência, ao Presidente da República. O que, depois de alguns engasgos em 1974, viria a ser corroborado pela Constituição da República Portuguesa.
A Lei Orgânica e o Regulamento das Ordens Honoríficas, de 1986, contagiados de medieval nostalgia, organizam hoje em dia o sistema, mantendo fidelidade às origens. Os laços de vassalagem, garantes de paz social, são fortalecidos anualmente no dia de Portugal, de Camões, da Tragédia Lusitana e das Comunidades Portuguesas, de modo a que o 10 de Junho não passe sem cão decorado agradecido.
As ordens honoríficas portuguesas, doravante humildemente despidas de maiúsculas para não ferir a vista, dividem-se em três grupos: as antigas ordens militares (ordem da torre e espada, do valor, lealdade e mérito; ordem de cristo; ordem de avis e ordem de sant’iago da espada), as ordens nacionais (ordem do infante d. henrique e ordem da liberdade) e as ordens de mérito civil (ordem do mérito, ordem da instrução pública e ordem do mérito agrícola, comercial e industrial). Cada uma tem como fim recompensar méritos excepcionalmente relevantes em várias áreas, desde logo a militar, ou destacados serviços em prol da pátria.
As ordens ordenam-se em graus. Por ordem ascendente, cavaleiro ou dama, oficial, comendador, grande-oficial e grã-cruz. Nas ordens de mérito civil, o grau de cavaleiro é substituído pela medalha. E nas ordens militares da torre e espada, do valor, lealdade e mérito, de sant’iago da espada e nas ordens do infante d. henrique e da liberdade há ainda um grau especial – o grande colar.
Não obstante a variedade de títulos, as ordens sofrem de numerus clausus: para lhes aceder não basta ser sócio do Benfica. É necessário que o presidente da república confira as vagas e emita o respectivo alvará, quer por iniciativa própria, quer por proposta do governo ou dos conselhos das ordens.
As vantagens em ser distinguido como membro de uma ordem são evidentes: para além do direito ao uso da insígnia, ganha-se posição no protocolo de estado, permitindo ocupar lugares em cerimónias públicas. No caso da ordem da capa e espada fica-se mesmo com acesso a uma pensão, mediante requerimento, igual ao salário mínimo nacional, e com a preferência, conferida ao agraciado ou herdeiros, no ingresso em certas instituições sociais geridas pelo estado. Quanto aos deveres, deve o ordenado, sob pena de procedimento disciplinar, regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra e defender Portugal em toda e qualquer circunstância, assim como obedecer às instruções e directivas da ordem a que pertence. Isto mesmo é assegurado mediante o preenchimento prévio de uma declaração, no acto da condecoração, e respectiva assinatura.
Por atrelado, caso desejem aceitar ou usar condecorações estrangeiras, os cidadãos nacionais precisam de autorização do governo português: é justo, porque a valia de qualquer português deve ser reconhecida pelo estado português. Este selo de autenticidade de mérito é tanto mais necessário quanto o estado mais facilmente reconhece como bom o que vem certificado de fora. Tanto assim é que foi preciso um nobel para que a mui excepcional grande coleira da ordem de sant’iago da espada fosse atribuída a saramago, antes modesto comendador.
E que dizer de miguel cadilhe, cavaco silva, marques mendes, durão barroso, mota amaral, vítor constâncio, almeida santos, armando vara, joão cravinho, vítor melícias, saraiva martins, carlos carvalhas, carlos brito, narana coissoró, jardim gonçalves, joe berardo, américo amorim, belmiro de azevedo, todos eles ungidos com a grã-cruz da ordem de cristo e/ou com a grã-cruz do infante d. henrique, por destacados serviços prestados a Portugal? Nada. A não ser perguntar “o que é Portugal”?…
Música (Portugal visto por forasteiros):
- John Froman (EUA) – Portuguese Washerwoman;
- Folkestra (Hungria) – Portugal Kálap (filmzene);
- The (EC) Nudes (GB) – O Pastor;
- Flying Lizards (GB) – Portugal;
- Portugal. The Man (Alaska) – Bellies Are Full;
- Durruti Column (GB) – Amigos em Portugal;
- Graciano Saga (Portugal) – Vem Devagar Emigrante.
Texto e voz:
Pedro Lemos
Imagens:
Bois, vale do Loire, 2005 (Pedro Lemos)
Mutley, o cão obcecado por medalhas (Hanna Barbera)
24 MB – 25m45s